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dos amigos. para os amigos. ii

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Já pensaste em como seria se eu deixasse de existir? Espera. Não é desse modo. Deixar de existir apenas. Habitar um corpo mas sem compromissos de maior. Comer, dormir, falar e fazer tudo o que é suposto mas na verdade querer a todo o instante despir de vez a pele que nos circunscreve. Não vestiria outra se é isso que pensas. Apenas conseguir andar aí pelo mundo meio em coma meio alerta e poder praguejar e gritar sem ter que me preocupar se rebentaria de ódio ou de tédio ou de tudo… As vezes que eu te tentei dizer que morri e renasci. Não imaginas. E levava as mãos aos bolsos, sorria-te e enquanto o fazia os dedos pressionavam-se até doer. E sempre que te abraçava fechava os olhos para sufocar a dor. Não te consigo dizer nada, sabes? Desde que te foste embora que de tempos a tempos lembro-me de como era bom poder subir a rua e estar contigo. Tudo o que me restou foi esta impressão na barriga e o grande nó que tenho na garganta. Tu sabes que tudo sempre me foi difícil, não preciso de to dizer. Tenho medo. Admito. Tenho medo de nunca mais vir a confiar em alguém como em ti. Dar-nos a alguém é muito delicado e tu sempre me compreendeste. Em tantos anos nunca nos chateámos. É incrível. Às vezes lembro-me daqueles comentários que nos faziam que não acreditavam nisso ou que então se assim era nós nunca seríamos amigas a sério.
Parece-me que desde que foste embora o tempo parou, estagnou. Parece-me que o corpo habita agora porque sim, porque tem de. E que tudo o resto ficou destruído e afectado por não te saber aqui. Sabes que nunca pedi auxílio e nunca dependi de ninguém mas assumo que preciso de ti. Amanhã é véspera de Natal, escreveste-me um postal. Eu chorei. E no acto fui buscar todas as coisas que nunca soube lidar. Como o facto de não ter percebido que precisavas de mim. De todas as perdas que tive até hoje, acredita-me que tu foste a maior, minha amiga. E é por isso, que quer acredites quer não, falho constantemente com os outros. Nós somos tão pequenos enquanto ser humanos. Quis-te dizer tanta coisa e nem um abraço como merecias te consegui dar. A quantidade de vezes que a minha vida começa e termina. Não cabe nem num descampado sem limite. Passámos por tanto. Hoje dói-me a alma. Senta-te aqui comigo. Estás a ver aquelas pessoas todas que passam à nossa frente com o ritmo apressado e de ar zangado? Elas não sabem nada da vida. E eu talvez também não mas a verdade é que perco mais tempo da minha vida a pensar em todas elas do que em mim. E dói, assumo hoje e por fim que sim. Eu queria contar-te o mundo mas o silêncio sempre me coube melhor nos olhos e nos dedos e por hoje, minha amiga despeço-me com um  Feliz Natal e um Bom Ano Novo que era só o que te ia dizer. Tudo o que te disse agora estaria dentro de cada letra no que toda a gente diz nesta altura do ano.
título:dos amigos. para os amigos. ii

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